Thursday, May 27, 2010

SEM DÚVIDA

- Amor, quer se casar comigo?
Ela ficou muda. Olhava para ele e apenas piscava. O pequeno sorriso que ficou depois do embate "tenho algo a dizer" - "fala" - "mas tenho medo" - "vai amor, fala" - "não sei..." - "fala logo, bobo", continuava. Ele não sabia o que era aquele silêncio.
Olhou para baixo, para o prato de porcelana branca, a insígnia do restaurante na borda, o resto de molho de tomate da lazanha. Pouco acima, a taça de vinho, vazia. Queria brindar o pedido com a sobremesa, o mundo ainda mais doce. Pediu no momento certo.
Camisa branca, paletó preto, gravata. O garçon retirou os dois pratos, e em sua agilidade colocou as duas taças do creme branco, mas não tão branco, em um piscar de olhos. Piscar de olhos esse que ela não deu. A essa altura, seus olhos estavam baixos, sérios, pensativos. "Amor, quer se casar comigo?" se confundia com cenas menos abstratas, dos últimos três anos e sete meses, os de namoro. Casar comigo? Casar?
- Amor?
- Oi?
- A sobremesa.
- Sim, claro...
Colher de prata. No exterior, silver spoon, quem nasceu rico. O berço-de-ouro daqui. Tentava se distrair, a ideia da pressão lhe era chata, incomodava tanto quanto os caroços da ameixa. Ao mesmo tempo, sabia que devia uma satisfação. Ele era seu namorado. O namorado de três anos e tanto, que pediu o que pediu.
- Eu... eu... - a demora, além de não saber o que dizer, era da boca onde o creme flutuava. - Eu sou muito feliz ao seu lado, você sabe disso.
- Sim, eu sei disso. Mas qual a dimensão desse "ao seu lado"? Eu só quero ampliá-la...
- Sua decisão, assim, foi momentânea?
- Não, não foi.
- É de quando?
- Há dois meses ensaio esse jantar. No mês passado, no Terraço, eu ia pedir. Faltou-me o anel, que foi encomendado, não estava pronto.
- Anel? Onde está?
Colher de prata no prato, mão direita no bolso. A caixinha, ele lembrou, era aveludada, cor de vinho. Ele lembrou. Ela disse que queria se casar com um anel dentro de uma caixinha cor de vinho, aveludada. Ele lembrou. Ela o pegou, e abriu. Era lindo. Ela não era de se impressionar com belezas douradas, mas não podia negar o que estava feito ali.
Fechou a caixinha, terminou a sobremesa. Pediu para ele pedir a conta. Sairam em silêncio; a noite lá fora não era barulhenta, o som de seu salto sobre o mármore soava estranho. Carro na mão do manobrista; ele ainda não sabia o que era todo esse silêncio.
Na porta do prédio, ele nem desceu. O caminho todo, apenas o cheiro agradável do aromatizador. Mal se olharam. Quando parou, ele nem retirou o cinto de segurança. Ela viu então que ele não desceria.
- Eu sinto muito. Eu queria ter mantido o sorriso e ter dito sim, é claro que sim. Ou fechado a cara e um não bem grande. Mas eu não funciono assim. Você me conhece, você sabe...
- Amanhã as onze e meia, me espera na porta do prédio. Não quero me atrasar pro almoço da sua mãe.
- Está bem. Me desculpe, mesmo. Me desculpe...
- Onze e meia.
Ele olhava para frente. O semáforo fechou, nenhum carro na rua. Ela abriu a porta e saiu. Passou na frente do carro, olhando para ele, que não retribuiu.
Cantou um pouco o pneu, ao sair. Não era pressa, mas também não tinha pretensão nenhuma de parar no semáforo, àquela hora. Nem o caminhão, no amarelo, cruzando aquela rua.
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MAIS DO MESMO

Ter um blog é expor sua vida pessoal para os olhos do mundo?
Ter um blog significa um compromisso com a assiduidade?
Ter um blog revela sua personalidade?
Ter um blog é como ter um diário, mas de forma mais, digamos, poética?




Eu digo sim para todas essas perguntas...